sábado, novembro 01, 2008

Consentimento

Estou num local bastante movimentado, olho à minha volta e pergunto-me.
Quem são estas pessoas?
Que tipo de vida levam?
Que tipo de pessoa serão?
Dificil ser menos abrangente nas questões, não?
Fazem-me lembrar um pequeno conto de Edgar Allan Poe, "O Homem da Multidão". O conto consiste num homem que de cada vez que deixava de ter gente à sua volta começava a ficar assustado e corria desesperadamente à procura de movimento e de vida. E assim vivia, caminhando errantemente pela cidade de Londres à procura de companhia, não dormindo ou descansando, uma máquina imparavél tememente da solidão. No final o escritor descreve-o como um homem que não pode ser lido.
Essa descrição percorre-me a cabeça enquanto olho para rostos, gestos e roupas sendo incapaz de compreender aquilo com que me deparo.
De que falarão?
Para onde vão?
De onde vêem?
Complicado é procurar uma sinal pessoal, algo que as defina, porque é impossível definir uma pessoa. Mesmo assim não se pode referir a alguém sem lhe colocar uma etiqueta. Um nome, um atributo, uma excentricidade. Todavia elas são tão mais do que isso e ao mesmo tempo muito menos. Toda a complexidade pessoal é impossivel de ser descrita, apenas podemos relatar pequenos traços do caracter de cada um. Por outro lado nós somos apenas matéria orgânica, algo que existe e povoa quase toda a extensão da Terra. Algo que nasce, existe, extingue-se e no fim simplesmente se decompõe.
Qual o verdadeiro interesse de cada gesto?
Será que o nosso estilo de vida interessa para alguém?
Sendo que somos todos importantes, porque não ligamos nenhum aos outros?
Se repararem bem ninguém ouve ninguém. Todos esperam a sua vez para falar, porque lá no amâgo todos sabemo que a verdade só reside em nós mesmos.
Sejam sinceros, a opinião dos outros pouco vos interessa, vocês querem lá saber se o João diz que o novo 007 é muito bom, ou que a Maria diga que a comida francesa é a melhor do mundo, ou mesmo até que a Joana ache que os Rolling Stones são a melhor Banda de sempre. Nada do que eles dizem vos interessa, já que vocês sabem que o novo 007 é uma merda, que a melhor cozinha é a indiana e que toda a gente sabe que a melhor banda de sempre são os U2.
É, então irrefutavel, cada ser humano vive apenas para si próprio, para a sua satisfação, para os seus desejos, tristezas e necessidades. Mas agora outras questões se levantam.
Se somos assim porque precisamos da aprovação dos outros?
Para que precisamos de nos superiozar?
E porque desejamos sempre o mesmo que os outros?
Toda a gente quando vai ver um filme quer romance, toda a gente quer se casar, ter filhos e as outras tretas todas. Isso preenche-os dizem. Aceito.
Mas porque devemos ser todos castrados daquilo que queremos na realidade e no final ir obter aquilo que sempre quisemos pisoteando e magoando muitas mais pessoas do que aquelas que teriamos magoado se desde inicio fossemos procurar aquilo que na realidade nos "preenchia". Somos enganados e manipulados desde que temos idade para sermos enganados e manipulados.
Para terminar peço que recordem o filme Matrix. A Matrix existe e está de boa saúde, vivemos num mundo apenas por nós perceptivel, onde nos encontramos entropecidos, vivendo num limbo eterno de camisas da Gant, perfumes Armani, carros da Mercedes e casas germinadas. É essa a vida que sonhamos, são essas as coisas que desejamos. E é assim que alimentamos as "máquinas", empresas sem rosto, escondidas atrás de logótipos e slogans, que apenas procuram reproduzir a sua riqueza aniquilando-nos com fome, miséria e um falso sentimento de felicidade. Verdadeiros Deuses pagãos, que do alto do seu Olimpo brincam com o nosso destino, atirando-nos pedras, armas e guerras para que nos tornemos mesquinhos e estimemos a nossa identidade sobre todas as outras.
Já nem sei de que lado está a verdade, aliás já nem sei o que é a verdade. Sei que não conheço ninguém que está à minha volta da tal rua movimentada, sei que consinto e pior que tudo sei que continuarei a consentir até ao fim dos meus dias, assim como todos aqueles que vejo.
Dava tudo para estar num romance do Chuck Palahniuk.
Valete Frates

Sem comentários: