quarta-feira, maio 28, 2008

Hasta la victoria siempre!

Seria possível celebrar um mês de revoluções sem se falar neste homem?
Para celebrar os 80 anos do nascimento de Che Guevara, El Comandante, o ícone de todas as revoluções, a Argentina decidiu erger o primeiro monumento em honra ao guerrilheiro.
No transporte da estátua algo de impressionante aconteceu. Sempre que a estátua parava em algum local multidões aglomeravam-se para acompanhar a estátua, tirar uma foto, ou simplesmente admirar. O camião que a movia tornou-se num verdadeiro carro alegórico com bandeiras ao vento e pessoas a segurar a estátua como que com medo que ela parti-se. Como resultado as autoridades argentinas resolveram "passear" a estátua um pouco por todo país, para que o povo podesse admirar o seu herói.
Momento delicioso este vídeo caseiro, sem qualquer espécie de som (provavelmente gravado num telemóvel), uma gravação ao melhor estilo indie do cinema.




Valete Frates

P.S.: Para todos vocês, admiradores desta personagem histórica, tenho uma boa notícia. Os dois filmes inspirados na vida de Che (The Argentine e Guerrilla), já estrearam no festival de Cannes. Parece que os filmes são muito bons e que o Sr. Benicio del Toro faz um papelão. Por cá aguardo ansiosamente a estreia nos cinemas nacionais.

terça-feira, maio 27, 2008

Janis Joplin - Ball & Chain (Monterrey '67)

Resolvido a continuar a invocar os fantasmas da revolução, coloco um vídeo de Janis Joplin.
É algo de impressionante esta sua actuação. Demasiada intensidade, demasiada vontade. As palavras não são cantadas, são cuspidas. Sente-se a raiva, nota-se toda a urgência que caracterizou aquela época, toda aquela vontade de mudar as coisas de um momento para o outro.
A letra não tem conteúdo político, pelo menos aparentemente. Todavia isso não é o mais importante, interessa mesmo é o espanto e o deslumbramento na cara das pessoas ao assistir àquele momento único.
Sem que coloco aqui muitos vídeos, mas este sem dúvida TEM que ser visto. Espero que consigam ver nele o mesmo que eu.

Valete Frates

domingo, maio 25, 2008

Foto #8


"I shot a man in Reno
Just to watch in die"

Johnny Cash - Folsom Prison Blues

Muito poder encerram estas palavras de Johnny Cash, inseridas numa balada de um prisioneiro arrependido. Ao ler estas palavras sinto-as cortarem através da pele e mexerem com a minha alma. Imagino como se devem ter sentido os homens prisioneiros, metidos na mesma prisão que na música, ao ouvirem estas palavras serem-lhes cantadas ao vivo pelo homem.
De resto Cash sempre teve uma especial compaixão por estes homens enjaulados, sendo que a sua vestimenta era uma forma de chamar atenção para isso mesmo.
Bem, no fundo somos todos prisioneiros não somos? Ou dão-nos a liberdade de expressão e de repente somos livres? Não devemos querer nada mais, porque não há mais nada?
A televisão diz-nos como devemos viver a nossa vida, em farras e alegorias constantes, recheadas de dramas e momentos "problemáticos".
Com filhos em colégios, condomínios fechados e casas na praia onde guardamos as nossas pranchas de surf. Só devemos falar com gente bonita e devemos ser rebeldes, porque ser rebelde é sexy. Como é óbvio, sabemos que qualquer relação amorosa envolve pelo menos 10 pessoas (ele, ela, o outro, a outra e os amigos deles todos...), e todas elas sabem como lidar com qualquer situação amorosa. Mas é claro que gostamos dos nossos pais, a televisão ensina-nos que temos que gostar deles, e falar a toda a gente o quanto maravilhosa e contrubada é a nossa relação com eles, todavia não passamos nenhum tempo com eles.
Bastante contraditórios estes tempos, em que somos aquilo que dizemos e em que ninguém faz nada para demonstrá-lo. Todos somos bonitos por dentro, de uma beleza imensa, mas as nossas acções exteriores são de uma miséria humana enorme.
"O que eu mais queria era a paz no mundo." Parecemos todos finalistas da Miss Universo. Hoje as palavras são tão superficiais como a pele. Tão ilusórias como as calças, os casacos, os carros, os penteados e as companhias. Quanto vale hoje uma palavra? Nada, zero, nicles... Mas mesmo assim as pessoas parecem levar muito a sério as suas próprias palavras, não reflectindo sequer naquilo que estão a dizer, falam sem pensar ou pior a pensar noutra coisa qualquer. Toda a gente se leva muito a sério. Toda a gente tem uma opinião a dar sobre tudo e mais alguma coisa, toda a gente tem razão, mas ninguém quer saber, ninguém se importa.
Todos partilhamos, somos amigos de toda a gente mas só quando a vida nos corre bem. Os nossos amigos são a melhor coisa que temos e os primeiros a falarem mal de nós, a criticarem as nossas escolhas, as nossas acções, a nossa vida, as nossas queixas, as nossas excentricidades e o pior é que dizem tudo pelas nossas costas.
Bem lá no fundo, a pergunta que vos quero fazer logo de início, é que estilo de vida querem para vocês? Viver neste mundo de fachadas, ter dois filhos, sorrir para o vizinho e levar a vida em "liberdade"? Ou lutar por algo melhor, lutar por lutar, provar que não somos tapados, provar que sabemos que estamos a ser fodidos e que não vamos aceitar? Será que querem dizer que são felizes, ou viverem a felicidade em todo o seu explendor?
Como o homem da música temos que ver o que fizemos, compreender o que somos, saber para onde vamos e se merecemos ser felizes.
Deixemo-nos de egoísmos e altruísmos disfarçados. Não são os momentos de prazer que levamos desta vida, muito pelo contrário. O que levamos desta vida (para além do rescaldo das nossas acções) é o que cá fica. São as pessoas que cuja vida tocamos, são as obras que fizemos, são os grandes feitos no fundo. Aquilo que nos permitirá sermos lembrados e recordados com saudade é tudo o que de significativo fizemos com a nossa vida, as grandes coisas que realizamos em prol dos nossos contemporâneos, e não os pequenos prazeres egoístas com que nos regalamos.
Esta é a minha opinão, mas é claro são "livres" de discordar.

Valete Frates

sábado, maio 24, 2008

Assuntos Pessoais


Inspirado pela leitura de um blog muito interessante, decidi colocar um poema que tem uma nota bastante pessoal para mim. Não tenho muita cadência para as rimas, todavia tenho a sorte de encontrar sempre as palavras certas que outros escreveram e que penso que me personificam na perfeição.
Faço minhas as palavras do poeta/filósofo Antero de Quental.

AMARITUDO

"Só por ti astro ainda e sempre oculto,
Sombra do Amor e da Verdade,
Divago eu pelo mundo e em ansiadade
Meu próprio coração em mim sepulto.

De templo em templo, em vão, levo o meu culto,
Levo as flores duma íntima piedade.
Vejo os votos da minha mocidade
Receberem somente escárneo e insulto.

À beira do caminho me assentei...
Escutarei o passar agreste do vento,
Exclamando: assim passe quanto amei! -

Oh minh'alma, que cresce na virtude!
O que será velhice e desalento,
Se isto se chama juventude?"

Não pretendo com isto iniciar nenhuma nova rúbrica, muito menos começar um ciclo de lamentos e queixas, não faz de todo o meu estilo. Apenas quero mostrar mais um bocadinho da minha pessoa.

Valete Frates

quinta-feira, maio 22, 2008

Foto #7


"So if you love me like you tell me that you’re doing, dear,
You shouldn’t mind paying the price, any price, any price.
Love is supposed to be that special kind of thing,
Make anybody want to sacrifice."

Janis Joplin - Trust Me

A minha forma de celebrar dois fundamentos dos anos 60, a revolução sexual e o amor. Quem melhor que Janis Joplin para exemplificar esses dois temas?
Valete Frates

terça-feira, maio 20, 2008

OZ - Beecher/Keller - Amor

Toda a gente sabe que o amor pode assumir muitas formas e feitios, todavia encontrar o amor na prisão não deve ser o sonho de ninguém. Mas aconteceu, em OZ. Um amor muito conturbado, cheio de intrigas (tipo novela hardcore), que começa numa impostorice, passa pelo ciúme e acaba em obcessão. Bem eu nunca percebi essa da obcessão, mas isso fica para outras alturas.
O vídeo é para mim a fase mais bela e "normal", em que alguém tem que sacrifar-se para que o outro possa viver em paz e gozar a vida. Neste caso a pergunta que se deve fazer, é os cliché do costume:
"Aonde estás dispoto a ir por aquele que amas?"
A esta gostaria de juntar mais uma. Será possível quantificar o amor?
Hmm, boa pergunta...

Valete Frates

sexta-feira, maio 16, 2008

Carlos Paredes - Variações em Ré Menor

Nesta fase de re-descobrimento da minha "portugalidade", dou de caras com coisas maravilhosas que apelando aos sentidos nos explicam o que é ser português. Para conseguir fazer isso tenho que, enxotar as azeitaradas relacionadas com a nossa selecção nacional, tapar os ouvidos quando falam os velhos do restelo e também afastar-me da juventude inerte.
Como já tenho dito antes eu amo o meu país, e em vez de me queixar constantemente, gosto de tentar espalhar e encrastar este sentimento de patriotismo sincero (mas nunca cego!), no coração dos meus irmãos portugueses.
Valete Frates

quarta-feira, maio 14, 2008

Dois quartos de bife (II)

Transcrição Integral:
«Um quarto mais um quarto faz metade. Metade de quê? De um bife. Por exemplo, de um bife. Mas volto com a teima: que poderá ser um quarto do que for, incluindo um pedacinho de carne sob uma cascata de batatas fritas? Nada mais vago do que dizer que uma coisa está em metade, está num terço, num quinto – que é isso de uma coisa inteira somando quatro quartos? De qualquer modo, o que posso afirmar é que este segundo quarto foi bem maior que o primeiro. O empregado, decerto, engraçou comigo. Ou lá achou que eu preciso do conforto de um quarto de bife mais alentado. É porque simpatizou comigo, apetece-me dizer-lhe (embora não lho diga nem possa dizer): “sabe o que sinto? Esta manhã, enquanto você (deverei tratá-lo por você ou por senhor – por tu, nunca) servia quartos de bife, ou velhotes reformados que começaram a ajeitar o casaco ao pescoço dois meses antes do frio chegar, esta manhã aconteceu a minha noite de núpcias, a minha e creio a dele. Há um pedaço, eu estava tonta, insegura, talvez decepcionada (mas não, mas não), agora, porém, que comi o quarto de bife começo a recompor-me, recomeço a ser eu.”
É manhã. Estou a falar de noite, apenas porque se convencionou que essas coisas devem passar-se durante a noite, mas sei bem que é de manhã. Não só porque o relógio mo confirma e as pessoas fazem o que costumam fazer de nas horas da manhã. É manhã porque ontem uma chuva de Verão, com relâmpagos e tudo, varreu o céu todo, de cabo a rabo, e ficou à espera que amanhecesse para se mirar neste intenso azul. Os meus olhos encheram-se dele, absorveram-no, se calhar até azuis ficaram também.
Estava uma bonita manhã, reparaste, Rodrigo? Quando desceste a ladeira, na tua cabeça haveria um cantinho disponível para o céu lavado? A minha dúvida é porque sei que não a desceste a pé como eu. Eu vi, pude entregar-me à beleza da manhã. E foi ainda repassada da frescura da chuva que já não era chuva, tendo nos olhos o azul sem nuvens desta manhã, que te beijei quando abriste a porta. Tinha chuva o meu beijo. E tinha o esplendor da luz que vem depois da chuva – sentiste, Rodrigo? Pudeste senti-lo enquanto, impaciente, me sorvias a boca?
Agora me lembro que talvez o empregado nem me tivesse proposto mais um quarto de bife. Talvez mo tivesse trazido sem eu anda dizer, apenas porque percebera em mim que eu gostaria de repetir o quarto de bife e que, de tão alheada, não achava palavras para falar. E que vou eu fazer agora depois do segundo quarto de bife? Que vou eu fazer depois daquilo? Amo-te, hei-de dizer-te mil vezes que te amo, mesmo que os lábios fiquem fechados. As horas que tenho vivido contigo nunca mais as poderei apagar. Só por elas valeu a pena conhecer-te, valeu a pena amar-te – e, no entanto, ainda não sei quem és. Mas amo-te meu desconhecido. Que vou eu fazer de mim depois desta manhã em que nos devorámos, em que amámos e sofremos como se não houvesse mais nenhuma oportunidade para o amor e o sofrimento, em que quisemos reter todos os minutos dentro de nós? Deixaste-me desamparada. Vazia, não – inquieta, insegura. É que, de súbito, o teu rosto desfigurou-se. Senti uma presença sufocante entre nós. Tenho-te de to dizer. De súbito, os teus dedos ternos, mas já ausentes, acarinharam embaraçadamente o meu corpo, estavam a despedir-se de mim e ansiosos de que a despedida se apressasse. De súbito, aquelas palavras:”Bem, Teresa, tenho de ir ao emprego. Arranjei uma desculpa para estas horas, mas estão à minha espera antes do almoço. Encontramo-nos à tarde.” Eu atónita, gelada. Mas tendendo que não desses por isso – terei conseguido? Era a nossa manhã, a nossa noite, e tu pensavas no emprego, teceste uma historieta para que a tua ausência fosse contabilizada nos interesses da empresa. Acrescentaste mais não sei quê, não ouvi o resto. Suponho até que te fiz uma pergunta e que as tuas palavras deviam ser a resposta a essa pergunta, que era desse teu emprego que falavas, que estavas a ser sincero. Que me punhas em evidência a realidade, tua e minha: essa empresa que controla as tuas horas, que talvez seja o esteio da tua vida, que, esta manhã (tão extraordinária e tão banal), começámos a aprender juntos o que vai ser o nosso quotidiano. A tua sinceridade (desastrada? pueril?) confiou-me tudo isso, revelou-mo. Não tenho nada a acusar-te. Essa nossa vida será, porventura, a vida de toda a gente. Mas eu sempre esperei mais – tu próprio estou certa, esperas, mais. O quê, não saberei dizer. Talvez precise daquilo que não me podes dar.
Depois de nos termos conhecido, o entardecer viera de repente, quantas vezes te espevitei, intervindo insidiosa ou declaradamente nas tuas decisões, enquanto noutras fases me punha de lado, como desinteressada, como se já estivesse farta de ti, deixando-te livre para seguires, sem apoio nem coacção, o curso impetuoso e ao mesmo tempo incoerente e frouxo do teu dia-a-dia. Eu própria to confessei, quando tentavas interpretar os meus silêncios e os meus distanciamentos:”Não repares, Rodrigo. Apenas quis ver até onde ias sozinho.” Sempre esperei, para que negá-lo? E é por isso que às vezes me agarro com ambas as mãos a coisas insignificantes como estas: a solicitude do empregado da pastelaria, o sabor a pouco de um delicioso quarto de bife.»

Valete Frates

P.S.: A leitura integral do livro recomenda-se.


sábado, maio 10, 2008

Dois quartos de bife (I)

Esta semana comecei a ler o livro "O Rio Triste", de Fernando Namora. Um romance muito belo e realista. Entre muitas passagens que adorei, esta tenho mesmo que partilhar. Vou parti-la em dois para ser mais fácil de ler. Mesmo assim ainda vai ficar com um tamanho considerável, mas garanto-vos que vale a pena.

Transcrição integral:
«Creio que havia uma tipografia ali perto, enquanto estivemos lá dentro ouvia-se o ruído das impressoras. Era a hora do almoço e os tipógrafos mais novos tinham-se juntado ao portão. Galhofavam, riam, jogavam com uma bola de borracha. Quando me viram aparecer, investigaram-me traço por traço. Bem o senti. Mas fingi não dar por nada. Tenho um rosto altivo, talvez mesmo desdenhoso, as pessoas não me olham duas vezes. E o meu andar, que dizem ser de graça, ajuda a essa altivez. Sou uma senhora. Entre onde entrar. E eu entro em quase todo o lado. O quase que me falta é uma das minhas tentações. Secretas. Os segredos do meu mundo inventado.
Saí, pois, subindo a ladeira acima. Talvez de cabeça baixa. Mas mesmo de cabeça baixa, sou a tal pessoa que faz vergar o olhar dos outros. Mal eles sabem da fragilidade que me vai por dentro. Sobretudo quando me mostro distanciada, um tanto fria, mirando as pessoas até lhes arrombar as fechaduras e fazendo crer que não valem muito para mim. Subi a ladeira e vim ter ao largo. Antiquários, táxis, uma igreja. A pastelaria, essa onde entrei, fica numa das esquinas. Podia ser uma taberna, tem coisas sujas pelo chão. E os móveis cheiram, um cheiro que se mistura ao da comida e ao das pessoas suadas. Não gosto de pessoas que suam.
Que iria eu fazer depois daquilo? Ou melhor: que gostaria eu de fazer depois daquilo? Senti-me eu própria um pouco irreal, talvez, nem feliz nem arrependida, de certeza confusa, num mundo à parte daqueles jovens que corriam em grupo, do vendedor de cautelas, do casal de cegos que se preparava para atravessar a rua, exactamente na passagem dos peões – como teriam acertado com tal rigor? Entrei na pastelaria. Sentei-me. É bom sentarmo-nos num lugar quando não sabemos para onde ir, ou quando, embora saibamos, não nos apetece ir para lá. O empregado aproxima-se, está direito ao pé de mim, enquanto roda, enfastiado, e aguarda que eu fale. Mas não falo, sinto-me ainda numa saborosa vertigem, amo-o tanto, eu sei que o amo, amo-te Rodrigo, mas, não sei porquê, o que sucedeu parece que foi estranho a esse amor, ou então é desta enleadora vertigem, daqui a pouco já verei as coisas com mais clareza, eu não falo, absorta, é como se estivesse ainda num outro lugar, ali é apenas o meu corpo magoado, e ele, o empregado, pergunta:”Que deseja?” Que desejo? – repito a mim própria, como num eco, fazendo o possível por estar realmente ali. Que posso eu desejar, além de estar sentada naquela cadeira, as mãos metidas nos bolsos, roendo o lábio que ele beijou, sugou, mordeu até me fazer sentir, toda eu, uma polpa inchada e quente, deliberadamente dorida? Que posso eu desejar, Teresa? Voltar para donde acabas de vir, ainda lá o encontrarias, é, a bem dizer, a casa dele, fazer amor o dia inteiro, a semana inteira, a vida toda? Fazer amor com este sentimento de culpa – de que és, afinal, culpada? Que desejas, Teresa: nunca lá mais tornar? Responde. O empregado olha-te, está à espera, e tu olha-lo também, e como ele esperando, até que o pobre insinua: “É hora de almoço. Servimos bifes, meios bifes e… um quarto de bife.” O que ele hesitou para dizer “um quarto de bife”! No mundo há de tudo, de facto. Há a Teresa, que sou eu, há a casa de onde venho, a casa dos tios do Rodrigo (conheci-os protocolarmente há três semanas, mais dia menos dia), há pastelarias, há barcos lindos, lindos, que atravessam o rio escoltados por gaivotas, e há quartos de bife. As pessoas que organizam estas coisas nem se ficaram por meio bife. Pensaram em tudo, naqueles que não têm apetite nem dinheiro que cheguem para metade de um bife. Talvez eu também me sinta em menos metade de mim própria. O empregado percebeu logo isso, e daí ter acrescentado: ”Talvez um quarto de bife para a senhora.” Um quarto de bife, um quarto (metade de metade) seja do que for. A dose de nada. A dose dos famintos que nem a sua fome podem matar. E a Teresa concordou: “Está bem, um quarto de bife.”
E pus-me a pensar: que será verdadeiramente, assim à vista, um quarto de bife? Um quarto (metade de metade) pode ser pouco e pode ser tanto. E pode ser várias coisas. Pode ser um quarto para se dormir, para fazer amor. “Este quarto é de quem Rodrigo?” – “Meu, querida, o dos tios é o outro a seguir.” Um quarto forrado de papel dourado. Oiro velho, baço, nobre. Velho de quê? Do tempo. Das mãos do tempo, que também matizam e arrefecem, põem nódoas, dão vida e dão morte. Estava ela no quarto, toda ela de Rodrigo, e nem assim deixara de pensar no dourado do papel. O dourado velho já não agride. É mais caricioso, mais suave, não magoa os olhos que lhe procuram o apagado brilho.
Aqui está o empregado com o quarto de bife. É muito pouco, realmente, um quarto de bife. Uma miniatura de carne afogada num estendal de batatas fritas. Agora fico a saber a que cheiram os móveis, a que cheirava a cadeira e esta mesa: a batatas fritas. A carne, de tão pouca, nem chega a impregnar as coisas do seu odor. Mas, afinal, como é saborosa. Isto é: uma comida, digamos um bife, não sabe nem mal pela quantidade. É por outras coisas. Este soube-me a manjar de deuses. Comi-o num instante, com tal sofreguidão, com tal deleite, que o empregado, atento, voltou a aproximar-se: ”Talvez a senhora deseje outro quarto de bife.” E eu respondi logo, creio que a minha voz também se fizera cúmplice: “Boa ideia. Talvez outro quarto de bife.”»

Valete Frates
P.S.: Tendo que dactilografar tudo, este texto ganha uma dimensão ainda maior para mim.


OZ - Said - Parte II (Solidão)

E o que acontece quando tudo o que somos e representamos cai à nossa volta?
Quando todos aqueles que gostamos se afastam, abandonam-nos, e ficamos irremediavelmente sozinhos?
Morremos da pior maneira possivel, vendo os dias passar, sozinhos e imersos em solidão. E tudo, porque quisemos um bocadinho de felicidade.
Valete Frates

quarta-feira, maio 07, 2008

OZ - Said - Parte I (Blasfémia)

Introduzo agora outra personagem da série OZ. O Imã Kareem Said. Ele é o lider espiritual (e não só) dos islâmicos, ao longo de quase toda a série.
Um homem que tenta personificacar o rosto da luta pela igualdade de direitos, da fé islâmica, e das virtudes do ser humano. Algures pelo meio da série consegue falhar nelas todas. No início é sedento de poder, apaixona-se por uma mulher branca, e não olha a meios para atingir os fins. Ele que tanto tenta aproximar-se de Deus e obedecer a todas as suas regras, torna-se o mais humano na hora de ceder à tentação.
Todavia mais para o fim aceita a sua condição de homem pecador, aprendendo com aqueles que já estão perdidos, e aí encontra verdadeiramente a voz de Alá.

Valete Frates

domingo, maio 04, 2008

Etapas para um fim


Toda a obra ou invenção, é elaborada através de etapas. Começamos com a ideia, à qual se segue o projecto, depois passamos para o protótipo e por último para a concretização da ideia original.
Concerteza não haverá maior empreendimento no mundo do que a afirmação pessoal de um ser humano. Exige tanto de quase todos os campos que o homem é capaz de trabalhar. Física, química, biologia, psicologia, filosofia, linguística, matemática, arte...e a lista continua.
Eu considero-me um projecto em andamento, já defini a ideia de que estilo de pessoa queria ser à algum tempo, agora estou a receber informação para me tornar esse estilo de pessoa. Recebo-a essencialmente na universidade, mas não integralmente.
Ainda tenho os meus pais e enquanto eles estiverem por cá estarão sempre a ensinar-me coisas que não sei fazer, a chamar-me à atenção quando faço algo de errado. A questão está se terei sempre a capacidade para os ouvir e não me julgar a todo o tempo o senhor da razão (como costumo fazer).
Tenho amigos com os quais estou sempre a aprender coisas novas, boas e más. Neste caso é posto em causa o meu discernimento, conseguir separar e seleccionar aquilo que devo reter e aquilo que devo condenar (como é preciso ter coragem).
Depois vêem as gerações mais novas, com as quais é preciso aprender a lidar. Ensinam-nos tanto sobre as coisas mais simples, coisas essas que com o passar do tempo deixamos de prestar a devida atenção (como são belos os seus ensinamentos).
Pensando bem, depois de reflectir um bocado, chega-se à conclusão que na vida, nunca passamos de um projecto. Um esboço de tudo aquilo que podemos e queremos ser ou aprender.
"Vive-se a aprender, e morre-se sem saber."
De repente estas palavras ganham um maior significado. Se a aprendizagem implica que nós estamos na fase do projecto, então nunca saímos dessa fase durante toda a vida. Talvez sejamos a obra inacabada de um ser superior, que à imagem dos génios renascentistas vendo que não conseguia tornar a sua obra perfeita, deixou-a inacabada, à espera de um momento em que talvez a obra se torne perfeita por si própria.
Daí venha talvez a nossa procura pela perfeição e consequentemente a procura pela felicidade. Nada nos parece tão perfeito como quando estamos felizes, talvez nenhum outro local seja tão perfeito como o local onde a felicidade se encontra. Toda a gente sabe que no mundo de hoje a felicidade é algo difícil de encontrar. Temos demasiadas distracções, demasiadas coisas para comprar, demasiadas horas para desperdiçar, demasiado tempo para trabalhar, demasiadas séries de televisão, demasiada inércia mental para vencer. Se calhar vemos tanta infelicidade aos nossos olhos que deixamos de acreditar na felicidade aqui nesta vida terrena. Na volta é por isso que acreditamos no paraíso, queremos uma recompensa de uma vida infeliz e imperfeita. Demasiadas questões e tão poucas respostas, como sempre.
Tudo isto para dizer que pelo menos na nossa simples vidinha devemo-nos manter humildes, porque haverá sempre uma realidade superior na qual somos ainda muito inferiores.

Valete Frates

sábado, maio 03, 2008

Música do mês


No lindo mês de Abril esta foi a minha escolha de todos os dias. Os meus ideais revolucionários tomaram conta de mim, e claro a música acompanhou. Belíssimo poema de Manuel Alegre que foi brilhantemente interpretado pelo já falecido Adriano Correia de Oliveira. Como era bonita a nossa música em tempo de revolta.

Trova do Vento que Passa - Adriano Correia de Oliveira

Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.
o vento nada me diz.

Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.

Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.

Valete Frates

quinta-feira, maio 01, 2008

Onde param os ideais?

Antes da revolução era assim. Por onde a censura passava o seu famoso lápis, era certo que essa publicação nunca mais viria a luz do dia. Tudo o que fosse contra o regime ou amigos do regime era logo colocado de lado.
No desenho acima vemos algo de muito simples mas que explica muito das lutas dos trabalhadores pelos seus direitos, por melhores condições laborais e sociais, pelo reconhecimento do seu papel. A representação máxima das suas lutas era o reconhecimento do 1º Maio, o feriado do trabalhador. O dia que marca a luta dos trabalhores e operários contra a opressão e exploração da burguesia e da entidade patronal.
Com o 25 de Abril toda a gente pensava que o poder estaria de volta ao povo. Porque usaram as palavras "de volta" ainda não percebo tendo em conta que o poder nunca esteve, nem está do lado do povo.
Se naquela altura, em tempos ditaturiais os trabalhores eram explorados e mal-pagos, como estão eles hoje?
Continuam a ser explorados e mal-pagos. Exemplo máximo disso temos o dia de hoje, em que muitas fábricas não respeitam o feriado, e as grandes superficies mantêm as lojas abertas.
Culpados disto somos todos, que não fazemos ouvir a nossa voz e por vezes ainda pactuamos com este tremenda ofensa à liberdade.
Devemos fazer ouvir a nossa voz no dia hoje para ajudar aqueles cujos direitos não estão a ser respeitados, boicotar o comércio que não respeita o trabalhador. Todavia que fazemos nós?
Aproveitamos o feriado para ir com a família ao shopping.
Hoje devia ser um dia de principios, devia ser um dia de serviços mínimos. Foi para isso que o dia do trabalhador foi criado, para dar valor a todas as pessoas cujo trabalho parece pequeno e de rosto invisível mas que se todos deixaissem de o realizar o país parava.
Que valeram as greves, as represálias, os espancamentos, as prisões, as lutas do pré-25 Abril para que hoje tudo esteja na mesma, nesta nossa sociedade "livre"?
Hoje somos escravos da economia, já que para o bem desta todos os meios são justificados e aceites. Somos reféns da precariedade. Somos o brinquedo sexual dos impostos e das crises. A nossa voz não pode ser ouvida, pois pode ser facilmente silenciada por esses seres mesquinhos que encontramos acima de nós. Depois acabamos no olho da rua, sem emprego, sem dinheiro, sem comida na mesa.
Mudando ligeiramente de assunto, antes havia cidadãos de primeira que normalmente incluam a função pública e outros cargos ligados ao estado; e os cidadãos de segunda operários e trabalhores por conta de outrém. Esta distinção era obviamente injusta pois todos descontavam para o mesmo, e todos pagavam impostos para o mesmo.
Agora somos todos cidadãos de segunda, todos peixe-miúdo, todos dispensáveis, comemo-nos uns aos outros por uma côdea. Considero correcto as manifestações que os funcionários públicos estão a realizar para reinvidicar a restituição de alguns dos seus direitos. Todavia considero que essa não é a grande questão, já que tal reside não restuição dos direitos a alguns, mas na atribuição de direitos iguais a todos. A chave está em sermos todos cidadãos de primeira, em sermos todos respeitados. Para isso acontecer temos todos que nos unir e lutar por direitos iguais. Talvez 40 anos depois, um Maio de 2008 esteja a ser a coisa necessária.
O problema é que em Maio começa o circuito de Queimas, e vamos ter toda a população universitária bêbada. E pior é que se pensarmos bem, mesmo que ela estivesse sóbria, a sua estupidez, falta de cultura e umbigo, não permitiria que uma revolução fosse iniciada.
Quantos jovens sabem o que foi o Maio de 68?
Eu por mim cumpro com a minha parte, faço a minha voz ser ouvida e boicoto tudo aquilo que entendo ser uma falha grave dos ideais impostos pelo 25 de Abril.
Isto é como reciclar, se cada um fizer a sua parte as coisas começarão a mudar.
Por último deixo um apelo a toda a gente, mas principalmente às jovens mentes de amanhã que residem nas nossas universidades. Lutemos pelos direitos do povo agora, pois caso contrário amanhã seremos nós que precisaremos de alguém que lute por nós. Esse sim é o verdadeiro espírito universitário, o espírito lutador, empreendedor, violas tocando ao vento, palavras de ordem. Não são só capas traçadas e copos de cerveja, pois se for apenas isso é apenas pura estupidez e egoísmo.
Com o coração apertado posso dizer que hoje o 1º de Maio é o feriado mais oco de significado que temos no calendário.
Valete Frates